NOTA SOBRE O POST: Antes de tudo, quero dizer que este post começou como parte de um post maior sobre relacionamentos e tals... mas aí vi que a coisa tava começando a ficar longa demais, confusa demais, chata demais, então decidi dividir o post em duas partes.
As partes são independentes e podem ser lidas individualmente e farão todo sentido assim. Mas em um contexto maior, elas se complementam e o que está escrito neste post deve ajudar a compreender melhor alguns dos motivos e argumentos usados no próximo post.
O que está escrito aqui é apenas o meu ponto de vista e nada mais. Eu poderia basear ou justificar minhas afirmações em teorias da Psicologia e outras ciências humanas (e em partes, elas têm sim fundamento em algumas dessas teorias e correntes de pensamento) mas eu QUERO ser parcial, eu quero dar o MEU ponto de vista, já que esse é o MEU blog e o que eu vou falar tá mais pra desabafo do que constatação científica. Mas se alguém achar necessário, posso encher mais linguiça depois com isso. Agora não porque eu tô com preguiça. (Vish, linguiça rima com preguiça...)
Aviso dado, fiquem à vontade para ler como bem convir. Boa leitura!
POR QUE AS PESSOAS NÃO “MUDAM DE VERDADE”?
Já vou começar todo errado. Vou começar me desculpando pela natureza preconceituosa do título desse texto – sim, estou generalizando. Há sim pessoas que “mudam de verdade”, mas acreditem, elas são uma minoria em extinção nesse planeta.
Quantas vezes já ouvimos a expressão “Eu juro que vou mudar!” vindo de alguém que foi colocado em xeque-mate em um relacionamento? Pode ser um namorado(a), marido/mulher, amigo(a), filho, não importa. Quando o ultimato “Ou você muda, ou está tudo acabado/você pode ir embora/eu vou embora” é dado, as pessoas costumam entrar em desespero e “correr atrás do prejuízo”. Mas da mesma forma que ouvimos isso centenas e centenas de vezes em nossas vidas, qual não é nossa decepção quando essas “mudanças” são da boca pra fora? Ou então, nos decepcionamos mais ainda quando percebemos que essas mudanças não duram.
Por outro lado, qual não é a nossa (boa) surpresa quando encontramos alguém que não mantinha contato conosco há tempos e você nota como a pessoa está bem, feliz, “diferente”? Você nota que a pessoa “mudou”, que ela está segura, que está “bem de vida”, ativa e confiante. Mas essa pessoa provavelmente não “mudou de verdade” também. Ela pode estar “melhor”, é fato, mas não significa que ela mudou. Uma conversa um pouco mais longa ou um convívio maior com ela podem revelar que, apesar das aparências, ela continua com as mesmas inseguranças, reclamando das mesmas coisas, cometendo as mesmas mancadas que te levaram a se distanciar dela.
Isso tudo é muito simples de explicar. Normalmente o que muda na vida das pessoas são as rotinas, os círculos sociais, os interesses. O caráter, o comportamento e os hábitos, e principalmente os egos não costumam mudar muito.
Eu conheço pessoas que "melhoraram" muito desde que as conheci, mas percebi que suas essências ainda continuam as mesmas - as dores, os complexos, os vícios, as manias, os preconceitos. De todas as pessoas que eu conheço que melhoraram, posso afirmar categoricamente que TODAS mudaram por um único e simples motivo: NECESSIDADE. Necessidade de se adequar: para serem melhores aceitos, para não ficarem sozinhos, para conseguirem se relacionar melhor com os outros.
É difícil encontrar casos de pessoas que mudaram por VONTADE PRÓPRIA, por desejarem ser “melhores de verdade" (entenda "melhor" como "pessoa melhor", não como "melhor do que o outro").
Mas isso importa? SIM e faz TODA A DIFERENÇA. Porque se a motivação é a NECESSIDADE, você pára no estágio em que as mudanças que você teve que fazer foram suficientes para atingir seu objetivo. O núcleo ainda é o mesmo, o que nos esforçamos para mudar é basicamente a forma como nossas questões pessoais se manifestam. Muda-se a forma de agir, mas não a de pensar. Mudam-se comportamentos, não crenças. A pior parte é que se você muda sua forma de agir e se isso te traz resultados imediatos, você apenas condiciona o seu cérebro a agir de uma forma diferente porque aquilo te trouxe resultados e não necessariamente porque é a "melhor" forma de agir ou porque essa nova forma de agir “te faz bem”.
Um exemplo disso são os clássicos “Eu prometo que vou mudar” para salvar um relacionamento. Como disse antes, é normal notar sim algumas mudanças no começo. Então quando a pessoa já conseguiu reconquistar a confiança do outro e a relação está salva e garantida, os velhos hábitos começam a ressurgir e tomar conta. Não é fácil reprogramar nosso cérebro da noite para o dia. O ser humano é um animal preguiçoso pra caralho. Se planejamos nossas ações como estratégias para conseguir algo, normalmente faremos isso até atingir o objetivo e depois abandonamos esse “padrão” ou estratégia em função de um outro padrão mais “forte” e relevante, mais antigo e já impregnado em nosso sistema.
Pense assim: você está acostumado a fazer os mesmos caminhos sempre (tanto na ida como na volta da sua casa para o trabalho/escola/faculdade e vice-versa, por exemplo), mas em determinado dia você precisa passar na lavanderia antes de voltar pra casa. Você então planeja seu novo itinerário e faz um desvio em parte do seu trajeto habitual. Ou então durante um mês a avenida perto do seu trabalho está em obras e você faz um caminho alternativo, as vezes até mais longo do que o habitual, só para evitar o trânsito. Ou então você percorre o dobro da distância normal do seu trajeto em um dia de chuva para evitar ficar parado e fugir dos pontos de alagamento. Mas em toda outra ocasião “normal” em que nada te obrigue a decidir tomar outro rumo, você vai fazer o caminho de sempre. Esse é o caminho seguro, é o caminho que você está acostumado, nele você sabe onde estão todos os semáforos e radares, você sabe onde estão os postos de gasolina e super-mercados. Não há motivo para percorrer outro caminho. É sua zona de conforto e você não vai abandona-la a menos que PRECISE. Manja aquela do “Quando a água bate na bunda...”?
É por isso que mudanças cuja motivação é a necessidade são parciais, falhas, incompletas. Dizem que só um hábito pode destruir outro hábito. Se você quer abandonar um hábito não-saudável, deve substitui-lo por um mais saudável. Mas hábito é algo que se PRATICA, e não apenas se executa. Prática é a repetição contínua, intencional, programada e consciente de uma ação ou série de ações. Executar não exige prática: pode-se fazer as coisas quantas vezes forem necessárias, sejam elas bem-executadas ou não.
Há um problema maior ainda, um outro motivo para que mudanças de atitudes comandadas pela necessidade sejam falhas: o foco. O foco desse tipo de mudança, como eu disse, é na ação/comportamento, não no pensamento/crença. Então basicamente podemos dizer que mudamos o “como” e não o “o quê”. Acaba-se concentrando os esforços nos meios, não nos fins – sempre nas táticas, raramente nas estratégias, mas nunca nos objetivos.
No caso dos relacionamentos afetivos, o foco da “mudança” normalmente é para “não perder o parceiro”, quando deveria ser “quero ser um parceiro mais atencioso, carinhoso e compreensivo, digno e merecedor do amor, da paciência e da confiança do outro”. Você quer que o outro perceba a sua “mudança” para que ele se sinta seguro e não te abandone, e não porque você sente que essa pessoa MERECE alguém melhor. Você se preocupa com A SUA DOR, NÃO COM A DOR DO OUTRO.
Somos egoístas e mimados. Sempre nos esforçamos mais em “não perder” do que “ganhar”. Mas se esforçar em “não perder” já implica que somos tão mesquinhos que não sabemos abrir mão, que temos medo de perder, que não sabemos lidar com a frustração, que não aceitamos a derrota, que não queremos ser contrariados. Mas essa visão egocêntrica também nos cega para ver o melhor de nós: nosso potencial, o que podemos ganhar, o que podemos aprender, que podemos ceder. Se eu não quero perder o que tenho, fico preso a esse medo, que se torna uma obsessão e acabo me tornando objeto da minha própria posse, não consigo enxergar O QUE MAIS HÁ LÁ FORA, não me permito experimentar, não me permito ser flexível. E é assim que continuamos repetindo sempre os mesmos erros. E nossa frustração só cresce. E nossas decepções também. E a decepção que causamos nos outros.
As mudanças motivadas por VONTADE própria, pura, por outro lado, são perenes, efetivas e benéficas. O mais engraçado é que normalmente essas alterações de hábitos alimentados pela “vontade de ser melhor” têm como gatilho ou estopim traumas ou dores muito fortes. Normalmente é depois de perder algo ou alguém, depois de um momento de tristeza ou raiva muito intenso que surge a vontade de MUDAR DE FATO. “Eu não posso continuar assim...” ou “Isso está me matando!” ou “Isso não é viver.” são algumas das “epifanias” que levam a pessoa a QUERER de fato mudar. Ou porque seus comportamentos são auto-destrutivos ou porque sentem muita dor ao perceberem que as perdas em sua vida são decorrentes de suas próprias atitudes. Somente quando o indivíduo PERCEBE que é o próprio causador da sua dor, sofrimento e solidão, ele consegue mudar de verdade. Só quando ele deixa de ser egoísta.
Mas “mudar de verdade” não é fácil: exige esforço, é desconfortável (literal e metaforicamente), exige paciência, exige dedicação e disciplina, exige sensibilidade, exige clareza. E é mais difícil (e trabalhoso) ainda sustentar tudo isso quando nossa motivação é necessidade, porque o esforço é realmente descomunal. Somado ao fato de que já somos naturalmente preguiçosos e acomodados, quando “temos” que mudar, normalmente aplicamos a lei do mínimo esforço. O que “conseguirmos” mudar para “agradar ao outro”, para “não perdermos”, “para não falharmos” será sempre suficiente. E não damos um passo além disso. E então voltamos para trás, para aquele caminho que estamos acostumados a fazer sempre. E o único caminho diferente que saberemos fazer será esse que vai até o último passo dado até as coisas serem “suficientes” - e mesmo assim, só tomaremos esse caminho quando nos sentirmos encurralados. Por isso a mudança verdadeira é difícil de acontecer - e normalmente só realizamos aquelas mudanças picaretas, de fachada.
Por outro lado, é justamente pela natureza árdua do caminho da “mudança verdadeira” que ela perdura e é tão eficiente. Quando se quer “mudar de verdade”, normalmente é porque a dor que se sente é insuportável – independente de sua origem. Qualquer desconforto, qualquer esforço se torna um preço muito baixo a se pagar tendo em vista o sofrimento que a dor causa. Aprende-se a valorizar e reconhecer o esforço, os acertos e os erros, a frustração e satisfação. Usa-se o sofrimento como base de aprendizado – e tenta-se minimiza-lo em vez de evita-lo. Olha-se para as sombras – as próprias e a dos outros e tenta-se compreende-las e integrá-las ao próprio ser no lugar de nega-las. O mais curioso é que só se consegue fazer isso tudo quando resolvemos aceitar as perdas ao invés de evita-las. Só quando nos permitimos perder é que perdemos de fato o medo de perder e começamos a desejar ganhar. Só quando paramos de culpar os outros, de esperar, de criar expectativas, quando assumimos nossos erros, falhas, defeitos e imperfeições é que assumimos de fato nossas qualidades e virtudes – qualquer outra coisa diferente disso é vaidade.
Para chegar a esse nivel de consciência é preciso mergulhar o mais profundo dentro de si, encarar os próprios medos, assumir os próprios erros, admitir as verdadeiras vontades e aceitar quem somos incondicionalmente para podermos construir quem queremos ser. Depois é necessário distanciar-se o máximo possível de sí mesmo e abraçar a verdade dos outros: seus medos e anseios, suas sombras, suas dificuldades, suas virtudes, suas realidades. E então praticar o mais difícil: enxergar a si mesmo através dos olhos dos outros. Entender como você é visto, como suas ações repercutem na vida das outras pessoas é o passo mais importante para entender como lidar consigo mesmo – e só assim, saber como lidar com os outros.
Mas isso é muito difícil e é pedir demais que as pessoas façam isso. E é por isso que eu me contento com a idéia de que as pessoas raramente mudam...